Wednesday, February 07, 2007

"Mr Lula da Silva deveria fazer o mesmo"

07/02/2007 - 12h20
'Financial Times' diz que Brasil só cresce com reforma trabalhista e previdenciária

SÃO PAULO - O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um passo à frente, mas nem de perto suficiente para o Brasil conseguir crescer no mesmo ritmo de seus concorrentes europeus e asiáticos, afirma o editorial "As tímidas reformas de Lula", do jornal britânico "Financial Times".

"O presidente deveria ter sido mais corajoso" , diz o texto. "Com altos níveis de apoio popular e condições favoráveis nos mercados financeiros internacionais, esse teria sido o momento ideal para começar uma reforma, longamente adiada, das leis trabalhistas, das quais algumas datam da década de 1930."

Para o FT, apenas com a reforma trabalhista e do sistema previdenciário o Brasil poderá ampliar seu ritmo de crescimento.

O diário econômico britânico chamou a Previdência Social brasileira de "absurdamente injusta" e a lei trabalhista de "antiquada". O editorial diz que o sistema previdenciário acaba "beneficiando grupos seletos de trabalhadores de elite em estatais" e funcionários públicos, terminando por afastar os mais pobres do mercado formal de trabalho.

"Muitos trabalhadores ainda se aposentam com pouco mais de 50 anos. Em muitos grupos privilegiados, como os militares e o Judiciário, benefícios generosos são estendidos aos familiares através de gerações", afirma o FT.

O editorial lamenta que as duas reformas estejam fora das prioridades do governo brasileiro.

"Mudanças no sistema previdenciário deverão ser debatidas, mas parecem improváveis de acontecer; a reforma trabalhista está -dizem ministros- fora da agenda. É uma pena. Sociais-democratas no vizinho Chile (e na Europa) beneficiaram seu país ao abraçar reformas modernizadoras. Mr Lula da Silva deveria fazer o mesmo."

De qualquer forma, o FT reconhece que elevar os investimentos em infra-estrutura é imprescindível para sustentar um maior crescimento econômico.

O PAC, diz o jornal, propõe iniciativas amparado pela estabilidade conquistada nos últimos quatro anos para melhorar a qualidade dos transportes e para ampliar os incentivos aos investidores.

"Medidas para impulsionar os investimentos em infra-estrutura são muito necessários se o Brasil quiser se expandir acima da média de 2,5% anuais registrada nos anos recentes", afirma o editorial. "Mas o novo pacote de Mr Lula da Silva não chega nem perto do ideal."

Tuesday, January 30, 2007

Zeca e os outros

Por J. R. Guzzo

Na véspera deste último Natal, a Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul aprovou uma medida que dá ao ex-governador Zeca do PT, após oito anos no cargo, uma aposentadoria de 22 100 reais mensais. Zeca vai receber esse dinheiro pelo resto da vida -- e é possível que mesmo depois de morto os contribuintes matogrossenses continuem pagando a conta, pois contrabandeou-se junto com a aposentadoria uma pensão para sua mulher. O padrinho da medida, o deputado Semy Ferraz, do PT local, deu uma explicação realmente extraordinária para o donativo feito ao companheiro. "É melhor que o estado pague do que o governador tenha de ganhar dinheiro por conta própria", justificou ele. Que diabo quer dizer uma coisa dessas? Se uma pessoa é íntegra, não precisa receber dinheiro do governo para continuar íntegra; se não é, não serão esses 22 100 reais por mês que vão resolver o problema. Não se sabe o que Zeca teria a dizer sobre isso. A última notícia que se teve a seu respeito informava que ele estava pescando com o presidente Lula.

Seria interessante saber o que aconteceria se um cidadão brasileiro qualquer pedisse que o governo lhe pagasse 22 100 reais a cada mês para manter-se honesto. Se vale para Zeca, por que não vale para todos os demais? É aí que começam as diferenças entre ele e os outros. Não só ele, infelizmente; 17 estados pagam hoje pensão vitalícia a ex-governadores, num total de 3 milhões de reais por mês. Eles acumulam esse dinheiro com os salários que recebem quando exercem outra função pública -- no Congresso, por exemplo. Aos antigos governadores somam-se procuradores, promotores, juízes, desembargadores, agentes da Receita Federal e por aí afora. Calcula-se que haja atualmente 150 parlamentares nesse vidão. A festa das chamadas "aposentadorias especiais" se estende ao Poder Executivo -- começa, aliás, no próprio presidente da República, que além de seu salário ganha mais 4 500 reais por mês por ter ficado preso durante 51 dias no remoto ano de 1980. Lula já ganha esse dinheiro há 11 anos e continuará ganhando enquanto for vivo.

Zeca, Lula e outros tantos fornecem uma ilustração brilhante de como funciona a Previdência Social "à brasileira", um sistema montado para pagar uma miséria à imensa maioria dos aposentados e somas extravagantes aos que têm força para defender o seu. Um cidadão comum tem de trabalhar 35 anos e contribuir por 420 meses para ganhar os trocados de sua aposentadoria; Zeca pode ganhar mais de 22 000 reais por mês com apenas oito anos de emprego e sem nunca ter contribuído sequer com uma caixinha de chicletes. Custa ao Erário, sozinho, o equivalente a 350 Bolsas Família. Naturalmente, Zeca, o PT e nove entre dez homens públicos brasileiros são fervorosos defensores da distribuição de renda. São, também, campeões na luta contra qualquer tipo de reforma na Previdência, em nome dos "direitos dos aposentados". A cada dia fica mais claro por quê.

Chávez e nós

Por J. R. Guzzo

A Venezuela, segundo nos informou o presidente Hugo Chávez ao assumir seu terceiro mandato consecutivo, é desde o começo de janeiro um país socialista. Não foi preciso, para isso, fazer uma revolução, botar tropa na rua ou tomar nenhum palácio -- bastou a declaração presidencial, o que faz da Venezuela, possivelmente, o único país do mundo onde o socialismo foi implantado com um discurso. A primeira coisa que se pode dizer a respeito é que o coronel Chávez, seu governo e seu socialismo são um problema exclusivo da Venezuela e dos venezuelanos. Não cabe ao Brasil achar ruim nem bom, mesmo porque não iria fazer nenhuma diferença. A única atitude a tomar é aceitar a vida como ela é e, se possível, manter no mesmo ritmo as exportações brasileiras para lá; elas aumentaram em quase sete vezes nos últimos quatro anos e fecharam 2006 em 4 bilhões de dólares. A segunda coisa é ver com clareza o que significa, na prática, o "socialismo do século 21" anunciado por Chávez. Não parece grande coisa. Há muito discurso com 3 horas de duração, muito "patria o muerte!" e muita cara feia contra o imperialismo, mas por aí se fica.

Regimes socialistas, pelo manual de regras, são criados para substituir regimes capitalistas. Mas a Venezuela que existia antes de Chávez assumir a Presidência não era capitalista; era apenas subdesenvolvida. Não tinha capital, indústria ou investimento privado -- não em termos de relevância econômica real. Não investia em infra-estrutura. Não dispunha de produtos vendáveis no mercado mundial. Vivia da extração do petróleo -- e sempre transformou em consumo quase toda a riqueza obtida com ele, em vez de investir no desenvolvimento de alguma atividade produtiva. O setor privado da economia baseava-se na formação de patrimônio pessoal para os empresários, que compravam apartamentos em Miami, tinham aversão ao risco ou à livre competição e buscavam favores junto aos governos -- por sinal, alguns dos mais ineptos que já passaram pelo continente. Assim era e assim continuou com Chávez nestes últimos nove anos, com a diferença de que a cotação do petróleo passou de 11 para 50 dólares o barril, e suas benesses passaram a ser distribuídas para a nova classe de aliados do presidente, ou mesmo para a parte da velha classe que teve a esperteza de juntar-se a ele. Hoje, como ontem, os que podem continuam torrando os dólares do petróleo com a importação de carrões irados, televisores de plasma e uísque 12 anos.

É verdade que o governo estatizou ainda mais uma economia já estatizada pela predominância absoluta do petróleo e promete estatizar o que encontrar de estatizável. É verdade, também, que o comandante passou a utilizar parte das receitas do petróleo em doações para governos que pretende influenciar, ou em programas oficiais de esmola para a parte da população que continua sem oportunidades de melhorar de vida. Mas o subdesenvolvimento permanece o mesmo -- e tem tudo para manter-se exatamente desse jeito. O que mudou na Venezuela, isso sim, foi a ditadura em câmera lenta que o comandante Chávez vem construindo desde que chegou ao governo. Tem planos para tornar-se presidente vitalício, faz o que pode para acabar com a liberdade de imprensa e transformou o Parlamento e o Judiciário em repartições subordinadas ao Poder Executivo. Quer substituir os governos regionais por "conselhos populares", criar um sistema de partido único e governar por decreto. Não será surpresa se baixar, um dia desses, alguma lei de segurança nacional e começar a meter gente na cadeia. O problema, ainda aí, poderia continuar sendo só da Venezuela. Mas será mesmo assim? O pensador-chefe do Palácio do Planalto, o assessor especial Marco Aurélio Garcia, acha que essas coisas todas são um "aprofundamento da democracia". Tomara que seja um ponto de vista, apenas -- e não um projeto de governo para o Brasil.

Como desacelerar o crescimento

No discurso, o governo promete fazer o país crescer mais. Na prática -- como se viu na suspensão de novas concessões de rodovias federais --, o que faz é pisar no freio

Por J. R. Guzzo

EXAME O segundo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está para começar desde as eleições de outubro passado, ainda não começou e promete começar agora com um Programa de Aceleração do Crescimento, apresenta, desde já, uma curiosidade: a decisão mais visível que tomou neste pré-começo foi, justamente, para desacelerar o crescimento. Quem pisou no freio foi a ministra Dilma Rousseff, ao suspender os editais que habilitariam empresas privadas para a tarefa de operar 2 600 quilômetros de rodovias federais. Em quatro anos, o governo não avançou nem 1 metro nesse processo; quando enfim ia avançar, parou. O argumento oficial é que a ministra quer a cobrança de um pedágio menor por parte das empresas -- algo que teve esses quatro anos para dizer, mas só resolveu dizer agora.

Por que será? Bondade com os usuários das rodovias certamente não é; se está tão preocupado assim com os gastos dos motoristas nos pedágios, por que o governo não reduz algum dos impostos que massacram os donos de automóveis e caminhões? Poderia começar pela Cide, por exemplo, taxa que incide sobre os combustíveis e deveria ser aplicada, justamente, nas rodovias. O que a ministra não quer, na verdade, é que a iniciativa privada cuide de rodovias. Não quer porque esse programa, iniciado no governo anterior, é um caso de sucesso indiscutível. Os quase 10 000 quilômetros de rodovias que hoje operam em sistema de concessão são, disparado, os melhores do país -- e sua comparação com o resto da malha viária é uma vergonha para o governo.

O que aflige o governo não é a situação miserável das estradas; é o cotejo entre sua inépcia na área e a eficácia da iniciativa particular. Já que não faz, então não deixa fazer.

Thursday, January 25, 2007

Apresentação do PAC

Guardem-na para conversarmos daqui a quatro anos.http://www2.blogger.com/img/gl.link.gif

'PAC não vai acelerar o crescimento'

Por Sergio Lamucci, jornal Valor Econômico, 25/01/2007
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O ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros não poupa críticas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O pacote ignora, segundo ele, o grande entrave à expansão da economia brasileira a taxas mais altas: a carga tributária estratosférica, próxima a 40% do Produto Interno Bruto (PIB), e a irracionalidade do sistema de impostos. Para mudar esse quadro, seria indispensável cortar os gastos do governo, "para permitir que, junto com o crescimento do PIB, houvesse espaço para uma redução da carga tributária".


"Mas o PAC passa longe disso, e na verdade piora o quadro, na medida em que indexa duas contas de gastos de baixa eficiência (o salário mínimo, que corrige dois terços dos benefícios do INSS, e os vencimentos dos funcionários públicos) à inflação, mais um ganho real entre 1,5% e 3%", afirma o ex-ministro, para quem a indexação "é a medida mais perversa contida no pacote".


Segundo Mendonça de Barros, o problema é que isso leva a um aumento acima da inflação de parte importante dos gastos do governo, num momento em que o maior desafio para o país crescer mais rápido é reduzir as despesas públicas. Para ele, o PAC diminui o espaço para a queda da carga tributária, um obstáculo poderoso ao crescimento do Brasil, hoje "uma economia aberta, cada vez mais inserida num ambiente global altamente eficiente e competitivo".


O ex-ministro das Comunicações ressalta que o governo "transfere 40% da riqueza criada no setor privado para financiar seus gastos e transferências, com eficiência baixíssima". Com o programa, diz ele, o governo "vai continuar a transferir recursos do setor produtivo e dos trabalhadores de maior qualificação para financiar gastos e transferências mal focadas no objetivo de realmente reduzir a pobreza e acelerar o crescimento".


O resumo da ópera? A renda dos setores mais produtivos da sociedade vai seguir em queda, em favor de um "distributivismo de curto prazo", que diminui a produtividade da economia e compromete o futuro do país. "O que se está fazendo é aproveitar um choque mundial favorável para gastar: é a lógica do populismo, ainda que no nosso caso a percepção sobre isso ainda seja um pouco difusa."


Segundo ele, "há certa ortodoxia monetária, que engana muita gente e agrada alguns formadores de opinião, mas que na prática é apenas auxiliar no grande objetivo de não avançar em nada que seja realmente modernizante". Nesse cenário, o investimento não vai aumentar. "E, sem investimento, não cresceremos mais rapidamente."


Mendonça de Barros vê com descrença a possibilidade de o país crescer 4,5% neste ano e 5% a partir de 2008, como prevê o PAC. Para ele, o PIB deve avançar 3% neste ano - ou até menos, dependendo do comportamento da demanda externa, que, segundo ele, tem contribuído negativamente para o crescimento, pois as importações aumentam a um ritmo superior ao das exportações. Mendonça de Barros estima que, no quarto trimestre de 2006, o setor externo subtraiu 2 pontos percentuais do PIB, em termos anualizados.


E qual será o efeito do PAC sobre a economia? "A influência do pacote na aceleração do crescimento em 2007 e em 2008 será muito pequena, senão desprezível", diz ele, reiterando que o programa não ataca a questão da expansão das despesas correntes, cuja redução permitiria a queda da carga tributária. "O que sobra nele são alguns estímulos setoriais de baixo impacto sobre o crescimento."


Mendonça de Barros não vê grandes problemas na decisão do governo de elevar os recursos do Programa Piloto de Investimentos (PPI) em até 0,5% do PIB, o que pode reduzir o superávit primário (a economia do governo para pagar juros) de 4,25% para 3,75% do PIB. "Se a escolha dos investimentos for feita seguindo critérios de racionalidade econômica e não de interesses políticos e regionais, acho que a troca é favorável ao país. Mas de novo: não se atacam as questões principais de longo prazo."


O ex-ministro aponta o que avalia uma mistificação do pacote: considerar a arrecadação de impostos com base numa expansão da economia de 5% ao ano para garantir o superávit primário e a queda da relação entre a dívida pública e o PIB. "O governo parte do problema resolvido, que é exatamente como crescer 5% ao ano, para mostrar que essas medidas não vão aumentar os gastos do governo como proporção do PIB. Ou é uma incapacidade de raciocinar logicamente ou é muita cara de pau."


A estimativa de que o pacote compreende investimentos de R$ 503,9 bilhões ao longo de quatro anos é rechaçada pelo ex-ministro: "Esse número está superestimado, já que boa parte dos investimentos do setor público e do setor privado iria acontecer mesmo sem o tal do PAC." Ele reclama que não está identificado o volume adicional de inversões que será gerada pelo programa. "Por isso, esse número nada mais é do que uma mistificação, bem ao gosto do governo, para gerar um fato político. Há muito caldo e pouca carne nessa sopa."


Para Mendonça de Barros, as desonerações tributárias contidas no PAC, de R$ 6,6 bilhões para este ano, são muito pequenas. "Haverá algum estímulo setorial, o que na verdade até reforça as contradições. Deveria haver a perspectiva clara para a sociedade de um corte relevante e generalizado de impostos, principalmente dos mais nocivos, incidentes sobre o faturamento das empresas, as transações financeiras e a folha de salários. Mas o PAC não tem nem sombra disso", ataca ele, que considera um erro na situação atual promover desonerações tributárias para setores específicos. "É a economia como um todo que sofre com a carga tributária e o sistema irracional de impostos. O governo não tem competência para escolher os setores que deveriam ser beneficiados com a desoneração, ou mesmo os que teriam maior impacto sobre o crescimento."

Saturday, January 13, 2007

O governo sumiu - ou é isso aí?

Editorial, O Estado de S. Paulo, 12/01/2007

Além de desastrosa e inoportuna, como se comentou ontem nesta página, a suspensão do processo de concessões de rodovias federais à iniciativa privada evidencia que o País está sem governo. O primeiro mandato do presidente Lula terminou e o segundo não começou. A menos que se conclua que começou, sim - mas fará a proeza de ser um retrocesso em relação ao anterior. As explicações da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, para a enormidade sugerem que se trata de uma trapalhada própria de uma situação de desgoverno, ou isso combinado com uma irrupção do estatismo sempre vivo em estado latente num governo em que a ministra Dilma manda muito. De qualquer forma, a decisão vai a toda velocidade na contramão da realidade objetiva do setor.

Um estudo da Confederação Nacional dos Transportes citado em matéria do Estado de ontem mostra o abismo entre a qualidade das rodovias administradas diretamente pelo poder público, sem cobrança de pedágio, e a daquelas concedidas a empresas privadas e pedagiadas. No primeiro caso, é ruim ou péssimo o estado de 41% dos mais de 73 mil quilômetros pesquisados. No segundo, apenas 4% dos mais de 10 mil quilômetros avaliados estão em más ou muito más condições. Só isso bastaria para tirar o gás do argumento da ministra de que a idéia de rever os critérios para novas concessões visa à cobrança das “menores tarifas possíveis” de pedágio, para reduzir o “custo Brasil”. Em primeiro lugar, o governo finge ignorar o fato comprovado de que cada R$ 1 gasto com pedágio proporciona um retorno equivalente a R$ 1,84 para a sociedade. Em segundo lugar, finge ignorar que nas licitações vence quem se propõe a cobrar “as menores tarifas possíveis”.

Outra versão difundida para o mau passo sustenta que o governo agiu movido pela suspeita de que as concessionárias do setor estariam se comportando como um cartel - o que é desmentido pelo fato de o governo ter a prerrogativa de estabelecer um teto para as tarifas em cada contrato. Na verdade, tudo indica que se tratou do enésimo caso de decisão impensada da era Lula. As declarações da titular da Casa Civil publicadas ontem fazem crer que ela tentou consertar o estrago que provocou a suspensão de regras de licitação que o Tribunal de Contas havia levado um ano para aprovar. Agora, diz que o governo manterá o sistema de concessões sob um novo modelo de outorga que resultará de um estudo a ser feito ainda este ano (esqueceu-se de que estamos em janeiro), “no prazo mais rápido possível”.

Dificilmente se esclareceria melhor o que é, na prática, a “pressa, ousadia, coragem e criatividade” prometida por Lula no discurso da segunda posse. A impressão é de que voltamos aos dias inaugurais do primeiro mandato, quando os estreantes no poder federal estavam determinados a fazer tábula rasa de tudo e recomeçar do zero. (Bem pensadas as coisas, Lula continua presidente porque isso ficou quase sempre apenas no plano das intenções.) As explicações de Dilma Rousseff correm o risco de ter a mesma credibilidade de sua taxativa afirmação de que “o governo está funcionando a todo vapor”. Para negar o que é visível a olho nu, a ministra ofereceu a hilariante evidência: “Não sou a única trabalhando. Há vários ministros em atividade.”

A julgar pela capotagem da licitação para a concessão de 2.600 quilômetros de estradas federais, ninguém poderá ser criticado se comentar maldosamente que ainda bem que nem todos os ministros nem o presidente Lula estão em atividade. Mas passemos. A amarga, indisfarçável realidade é que quatro anos de lulismo foram pura treva para a rede nacional de estradas, logo, para a redução do custo Brasil. A sua única “realização” no setor foi a grotesca operação de tapar os buracos que a sua própria omissão e incompetência abriram na malha rodoviária federal, de Norte a Sul do País. Quando se tem em mente esse descalabro, soa simplesmente acintoso o anúncio de que, “ainda este ano, no menor prazo possível”, o Planalto concluirá o estudo que seguramente ainda não começou para formular o bendito modelo que pautará os contratos de concessão a serem licitados em data obviamente incerta e não sabida.

Nesse meio tempo, os potenciais investidores no setor levarão os seus recursos a paragens mais seguras - ainda mais diante da possibilidade, não negada, de o governo criar uma “Pedagiobrás” para coroar o retrocesso.

Wednesday, January 10, 2007

As férias do "seu" Lula

José Nêumanne*


Quando, neste Brasil pós-petista, o Caos Aéreo Nacional encheu os aeroportos brasileiros de dor, raiva e indignação, só um avião teve o privilégio de decolar e pousar na hora certa: o Aerolula. Enquanto os passageiros sem Bolsa-Família se “acomodavam” para dormir no chão das estações, que, mesmo recebendo prioridade em detrimento de equipamentos e pessoal de controle e operação, não são lá grande coisa, se comparadas com as do resto do mundo, o presidente da República, em seu brinquedo favorito, divertia-se fazendo e desfazendo sonhos ministeriais. Mas até essa azáfama o cansou e ele tirou férias. Primo fare niente, doppo riposare, lembrou este jornal em editorial, citando o dito popular peninsular que o pernambucano (portanto, conterrâneo de Lula) Ascenso Ferreira glosou no poema Filosofia:“Hora de comer - comer!Hora de dormir - dormir!Hora de vadiar - vadiar!Hora de trabalhar?Pernas pro ar, que ninguém é de ferro!” Este é o sonho de muitos, de quase todos, mas só alguns eleitos, em menor número que os do Evangelho, podem realizá-lo. E Sua Excelência, eleito com mais de 20 milhões de votos sobre o candidato adversário, sente-se no direito de levá-lo às últimas conseqüências.Os críticos recalcitrantes e mal-humorados da elite empedernida encontrarão nos que contestam esse direito, dado ao chefe do governo pelos eleitores, um abuso. Não tanto um abuso de autoridade, mas, digamos, um abuso de propriedade. Afinal, um dos slogans da campanha da qual ele saiu reeleito era: “Deixem o homem trabalhar.” Às ordens, cavalheiro! Reeleito, contudo, prefere fazer nada e depois repousar, que não é de ferro, mas um filho de Deus, de carne e osso. Ou seja: o “homem” do slogan pode entrar de vez no livro de recordes da Guinness, por ser o primeiro trabalhador a merecer o gozo de férias na primeira semana de expediente, na prática antes de pegar no batente. Tente fazer isso no emprego novo, caro leitor, mas não espere muita simpatia do patrão. Só que o patrão do presidente, o tal povo brasileiro, é manso de coração e parece não se aborrecer com essa inversão de atividades do escolhido para reger seu destino.Esse patrão dificilmente terá lido o livro em que o ex-presidente americano Richard Nixon dizia, com razão e lucidez, que todo estadista deve tirar férias, pois o cansaço pelo exercício das pesadas responsabilidades do poder republicano é o pior conselheiro de um governante. Não se sabe se Nixon estava bem repousado quando decretou a retirada das tropas do Vietnã, entrando pela porta da frente da História. E se foi o cansaço que o fez não dar a devida relevância ao arrombamento do escritório do adversário democrata derrotado, George McGovern, em Watergate, que provocou sua retirada pela janela do porão da Casa Branca. Sabe-se, porém, que o repouso remunerado não resulta de um gesto de caridade cristã, mas do pragmatismo capitalista para produzir mais, melhor e com mais lucro. Duro é saber o que tem estressado tanto nosso amado guia: a disputa entre os amigos Chinaglia e Rebelo pela presidência da Câmara; o apetite dos companheiros petistas pelas boquinhas republicanas; a decisão do advogado Márcio de deixar o Ministério da Justiça; ou a volta do aloprado-chefe Berzoini à presidência do partido de Dirceu, Genoino, Delúbio e Silvinho? Ou será a súbita incompetência da Polícia Federal em enquadrar Waldomiro Diniz e descobrir a origem do dinheiro para financiar o dossiê antitucano, hein?Certo é que a decisão de repousar antes de trabalhar é tão original que impediu o elogiado amigo José Alencar de assumir a Presidência em sua ausência. Embora dificilmente a Nação sinta muita falta de uma gestão alencarina, não deixa de ser, no mínimo, interessante que, tão pródigos em encontrar meios de levar vantagem em tudo, nossos políticos tenham deixado para um ex-trabalhador braçal a honra de inaugurar o repouso do guerreiro antes, e não depois, da batalha. O professor de Lógica no Instituto Redentorista Santos Anjos, em Bodocongó, Campina Grande, Paraíba, nos anos 60, o implacável e aristotélico holandês padre Bernardo, na certa diria: “Et pour cause.” Ex-dirigente sindical da escola getulista, Lula é pioneiro nessa inversão, ao conjugar o verbo descansar antes de se cansar, e, depois, se possível, cansar-se o mínimo, como naquele pacto jocoso do poeta Vinicius de Moraes com o cronista Antônio Maria: jamais fazer um movimento que não seja absolutamente necessário.A inovação implica algum risco, pois sempre haverá um espírito de porco a observar que o País pode funcionar normalmente sem o concurso do chefe do governo, embora haja quem jure que, mesmo quando nos dá a honra do expediente, este não pareça muito predisposto à ação efetiva. E também lembra o clássico da comédia cinematográfica As férias de Monsieur Hulot, em que o taciturno e trapalhão francês Jacques Tati faz uma crítica pesada e bem-humorada destes tempos de automação e insensibilidade. Mas a lembrança do sujeito alto, magro e desengonçado com capa, guarda-chuva e chapéu na tela de cinema ocorre por oposição: um gaiato, neste Brasil de palhaços inatos e irreverentes, poderá lembrar que, de fato, o presidente não goza férias, mas teve a extrema bondade de dar folga a nossos ouvidos. Na praia, ele fica não apenas longe do gabinete e do Aerolula, mas também dos microfones e das câmeras, diante dos quais costuma promover ousadas distorções na geografia, na história, na lógica e na gramática. Isso, é claro, sem mudar o fato de que, com as estradas esburacadas, os assaltos na Linha Vermelha e a operação tartaruga dos controladores de vôo, ele se tornou o único brasileiro a gozar férias integrais em paz e segurança. *José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

Tuesday, January 09, 2007

Ele não entende...nós, então...

O presidente mundial da General Motors, Rick Wagoner, que já presidiu a filial brasileira, disse ontem não entender por que a economia brasileira não cresce, a exemplo do que ocorre com China e Índia. 'Se eu estivesse na liderança no governo brasileiro iria querer entender bem essa situação. É um assunto fundamental', disse a um grupo de jornalistas brasileiros durante o Salão Internacional do Automóvel da América do Norte, em Detroit.
"Iria querer entender bem essa situação"....
Mmas como ele não é o líder do país, infelizmente não vamos entender pelo menos nos próximos quatro anos.

Governo paralisado

Lula prometera que, três dias após o 2.º turno, daria início às ações que marcariam a nova etapa de sua Presidência

João Domingos, BRASÍLIA

Nove dias depois da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o fato mais marcante do seu segundo governo foi, justamente, a cerimônia de posse. As promessas de que começaria o segundo mandato três dias depois do segundo turno da eleição, em 29 de outubro, não foram cumpridas. Como também não o foram os anúncios de que se reuniria com a oposição e os governadores eleitos da base aliada para tratar de um acordo que viabilizaria a aprovação da reforma política.

Lula também não conseguiu divulgar aquilo que pretende ser a grande novidade do segundo mandato, o pacote destinado a destravar a economia e fazer o País crescer. Pelo contrário. Adiou sucessivamente o anúncio e, no dia 22, durante café da manhã com os jornalistas, disse que não era interessante fazê-lo naquele momento porque a sociedade estava interessada em “pacotes de presente” e não em pacote econômico. Só deverá revelar ao País o conteúdo do pacote um mês depois. Sabe-se que o plano deverá prever a desoneração de impostos equivalente a R$ 9,5 bilhões e apresentar medidas para a melhoria da infra-estrutura.

O presidente também não deu início, ainda, à montagem do ministério que vai acompanhá-lo no segundo governo. Informou apenas que deverá ser técnico. Tampouco cobrou dos ministros uma solução para o Instituto do Coração (Incor), embora no dia 12 tenha feito uma reunião de emergência no Aeroporto de Congonhas com a direção da instituição e alguns ministros. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, deixou a reunião dizendo que o presidente Lula dera 48 horas de prazo para que os ministros resolvessem o problema do Incor.

“Ele (Lula) determinou que encontrássemos uma solução para que o Incor possa se recuperar e restabelecer a eficiência dos seus trabalhos”, afirmou Mantega, no dia. O Incor acumula dívidas de R$ 245 milhões, ou 82% do orçamento previsto para este ano, de R$ 300 milhões. Do total da dívida, R$ 117 milhões foram repassados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Lula vinha dizendo, seguidamente, tanto em discursos quanto em entrevistas, que está muito mais experiente e que, agora, sabe cobrar rapidez. Em um dos discursos feitos logo depois da reeleição, afirmou que exigirá muita agilidade de seus ministros. E, ao fazer um comentário sobre os dois meses de prazo que um Grupo de Trabalho (GT) tem para concluir os estudos sobre o caos nos aeroportos, disse: “Dois meses é um prazo grande demais. Quando a gente faz 61 anos, o tempo passa muito rápido.”

Mas, apesar das promessas de que faria tudo com muita rapidez, Lula entrou em férias. Só deverá voltar ao trabalho na semana que vem. A maioria dos ministros seguiu o exemplo do chefe, como Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que não retomou o trabalho ontem, como previsto. O ministério vem sendo comandado pelo secretário-executivo, Ivan Ramalho (ver reportagem abaixo). Dilma Rousseff (Casa Civil) e Paulo Bernardo (Planejamento), ao contrário, tiveram de mudar seus planos, recolher as malas que já estavam prontas e ficar em Brasília para cuidar do pacote destinado a destravar o País.

O dobro de nada é nada

As notícias sobre as acusações do presidente Lula ao antecessor Fernando Henrique, ao sancionar a Lei do Saneamento Básico, na semana passada, destacaram, como era de esperar, o descumprimento da recente promessa do presidente de que, no segundo mandato, limitaria as suas comparações com o passado ao seu primeiro período de governo. Decerto todos os políticos se desdizem. A diferença é que Lula o faz com exacerbada freqüência pelo simples motivo de que, apreciando como poucos o som da própria voz, fala muitas vezes antes de pensar - e depois passa a borracha no improviso, ao se dar conta da impropriedade proferida. Assim foi para o arquivo morto, por exemplo, a sua previsão fantasiosa de que o PIB crescerá 5% este ano, omitida no discurso de posse.

Mas, pior do que a recaída de Lula na compulsão de falar mal do presidente cuja imagem ele procura obsessivamente apequenar, foram os termos que acompanharam a acusação. “Temos que trabalhar o dobro do que trabalhamos no governo passado”, apregoou, “para que a gente possa, ao longo do tempo, se recuperar da irresponsabilidade implantada neste país na área de saneamento básico”. A se levar tais palavras ao pé da letra, a reação só pode ser de pessimismo. Dado que no último quadriênio Lula só trabalhou para valer no projeto da sua reeleição, a referência à faina redobrada remete de imediato à aritmética, que ensina que o dobro de zero é zero. Exagero? O governo passado andou o pouco que andou não por causa, mas apesar do presidente - absorvido demais pela tarefa de falar para ter tempo de governar. E, na área do saneamento, não saiu do lugar.

Lula não tem apetite para administrar, quando isso requer, e requer quase sempre, a leitura de documentos ao mesmo tempo indispensáveis para a tomada de decisões com conhecimento de causa. É sabido também que, ao chamar um ministro para conversar, evita a hora de entrar de vez no assunto que motivou o chamado. Não menos notória é a sua impaciência com a engenharia política, que requer freqüentemente ouvir mais do que falar e dizer não com ar de quem diz sim. As derrotas que o seu primeiro governo colecionou no Congresso têm a sua principal explicação no vazio de liderança aberto por Lula. O seu comportamento diante da disputa de dois aliados pela presidência da Câmara já desconcertou mais de um interlocutor.

Em pelo menos uma ocasião, ele teve de reconhecer que tropeçou nos cadarços ao não mostrar firmeza no apoio ao seu preferido, Aldo Rebelo, do PC do B, contestado pelo petista Arlindo Chinaglia - e depois, ao querer forçar um acordo pelo qual um deles abdicaria da pretensão. A eleição se dará em 1º de fevereiro. E Lula já fez saber que só em seguida tratará do novo Ministério. Agora se noticia que esse em seguida não terá a pressa com que o presidente se comprometeu no discurso de posse. A demarragem do novo Gabinete, ao que se informa, ficou para o dia 15. Mas não convém fiar-se na nova data: o carnaval começa daí a 48 horas. Se isso é o que Lula entende por pressa, talvez seja melhor não perguntar o que entende por “ousadia, coragem e criatividade” para “desatar os nós” do País.

Por enquanto, o presidente limita-se a se queixar em público de seus auxiliares. Além de, na semana passada, ter culpado alguns deles pelo fato de as casas populares que inaugurou em março passado em Lauro de Freitas, na Bahia, serem “uma vergonha”, reclamando que desde setembro vem pedindo providências para mudar o tamanho-padrão dessas habitações e ainda não foi atendido, manifestou sua irritação com membros da equipe econômica que não teriam sido suficientemente “criativos” nas primeiras propostas que lhe apresentaram para destravar a economia. O propalado pacote desenvolvimentista, por sinal, só será conhecido depois dos 10 dias de férias de que o presidente desfruta numa base do Exército, no Guarujá.

Como se vê, não há motivos para esperar iniciativas verdadeiramente transformadoras no chamado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mesmo porque o primeiro governo Lula não lembrou que o crescimento acelerado e sustentado depende, no Brasil, da modernização das instituições, a começar por medidas ousadas, corajosas e criativas contra a vexaminosa indigência da educação.

Saturday, January 06, 2007

Zé Louquinho.....

Brasil, o país do futuro. Prefeito edita lei que proíbe as enchentes!
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Prefeito Zé Louquinho quer lei para proibir enchentes

Natália Zonta

Sem medo de novas polêmicas, o prefeito de Aparecida, no Vale do Paraíba, em São Paulo, José Luiz Rodrigues, mais conhecido como Zé Louquinho, enviou à Câmara mais um projeto de lei estapafúrdio: ele quer proibir enchentes 'provocadas em razão de chuvas fortes, chuvas de granizo, tempestades com raios, vendavais e cheias do Rio Paraíba do Sul e seus afluentes no município'.

Ele diz que enviou a proposta anteontem em resposta ao vereador Ernaldo César Marcondes (PDT). 'Ele me mandou um ofício perguntando se eu iria fazer algum projeto de lei sobre o problema das enchentes', disse Zé Louquinho. 'Dessa maneira, a culpa não é do prefeito.'

A região sofre com as chuvas no verão. Em 2006, as piores enchentes aconteceram em fevereiro deixando centenas de desabrigados. 'Pedi informações sobre o repasse da verba para a Defesa Civil. Ele só fez isso para aparecer', disse o vereador Marcondes. O presidente da Câmara, José Luiz Mota (PSDB), também reprovou a idéia. 'Vou amassar o projeto e jogar no lixo. O povo não nos paga para votarmos propostas imbecis.'

Zé Louquinho já assinou outros decretos inusitados: proibiu que mulheres usassem minissaia na Quaresma e quis obrigar os padres da cidade a usarem batina durante o dia.

Serra não briga, mas não ameniza

Dora Kramer, O Estado de S. Paulo, 05/01/2007

Serão quatro anos de julgamento permanente de qualquer palavra ou ação à luz da perspectiva eleitoral de 2010. O governador de São Paulo, José Serra, sabe disso.

Tudo o que fizer ou falar será interpretado como gesto eleitoral de quem se prepara para disputar a Presidência da República e tentar recuperar o terreno perdido em 2002, com a derrota para Luiz Inácio da Silva, e em 2006, quando deixou o lugar de candidato para Geraldo Alckmin, desistindo de uma luta que lhe pareceu, desde o início, inglória.

Diante do inevitável, acha melhor relaxar. Em termos, porém. Não deixará de fazer as coisas ou falar o que acha por medo da leitura eleitoral. Em público, tentará se manter olímpico, fazendo de conta que não dá ouvidos às manifestações que no íntimo considera irritantes, para não dizer, como de fato diz, “ridículas”.

Não porque esteja alheio à óbvia situação de pré-candidato à sucessão de Lula. Muito menos por tentar convencer alguém de que tenha abandonado o projeto presidencial. Este está no horizonte, mas é cenário futuro.

O presente, na concepção dele, é sua matéria-prima. Foi pensando no desempenho à frente do governo de São Paulo hoje, amanhã e pelos próximos quatro anos, que fez dois discursos de posse - um na Assembléia Legislativa, outro no Palácio dos Bandeirantes - abordando questões de interesse nacional, como o desenvolvimento, a ética, as obrigações do Estado e os direitos do cidadão.

Levou cinco dias para redigir ambos e ficou particularmente satisfeito com a avaliação positiva de suas palavras feita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e com os telefonemas recebidos dos governadores Paulo Hartung (ES) e José Roberto Arruda (DF), que mandaram distribuir os textos para suas equipes.

Serra analisa os discursos não como uma convocação à guerra com o governo federal, mas como uma exposição de posições que, de resto, não são novas e, na opinião dele, expressam a opinião do eleitorado paulista. Suas críticas à política econômica, por exemplo, remontam ao governo FH, são pertinentes na boca de um governador de São Paulo e não guardam relação com o futuro sucesso ou insucesso eleitoral.

É partidário do raciocínio de que não foi a condição da economia o motivo da reeleição de Lula e sim o desempenho do personagem, vitorioso a despeito da “política da pasmaceira” econômica.

As referências à necessidade de recuperação dos valores éticos não tiveram, segundo ele, o objetivo exclusivo de espicaçar o PT por conta dos escândalos protagonizados pelo partido e aliados.

Neste aspecto, lembra que o “espetáculo” da desqualificação moral teve o Congresso em geral como personagem de destaque e, em particular, políticos de diversos partidos, inclusive do dele, o PSDB.

José Serra atribui as interpretações exclusivamente eleitorais ao desejo dos adversários de desqualificar suas ações e à impossibilidade de discutirem objetiva e detalhadamente os temas propostos para debate e para o enfrentamento real por parte dos governantes, nacionais e regionais.

Ele não vai brigar, mas também não vai amenizar nem perder de vista seu papel de oposicionista. No discurso da posse, repetiu um trecho do pronunciamento feito logo após as eleições, onde detalha o sentido da disposição de manter com Lula “as melhores relações institucionais possíveis”: “Não esperem de mim o adesismo que não se respeita nem a agressão que não oferece respeito.”

De política procurará falar o menos possível. Sobre os rumos de seu partido, incluída a anunciada possibilidade de o presidente Tasso Jereissati vir a apoiar Ciro Gomes em 2010, nada dirá em público. A respeito da disputa interna com Aécio Neves, não quer nem ouvir falar.

A concentração total é no governo de São Paulo, plano, assim como a prefeitura, inicialmente fora da agenda. Mas, já que as circunstâncias quiseram assim, José Serra irá a elas com a obstinação do afamado centralizador irascível, fama esta, na visão dele - e só na dele - fruto de inominável injustiça.

Se existe um inimigo poderoso e temido por José Serra nesse período que o separa da disputa pela Presidência, é a expectativa em torno de um governo de São Paulo muitíssimo bem-sucedido.

Não despreza a torcida, mas também não esquece da lição de um antigo professor de redação: “Nunca diga num texto o quanto é bom o que você tem a dizer a seguir. O resultado, em geral, frustra a expectativa.”

A limitada liderança presidencial

O presidente Lula preenche pela metade os requisitos mínimos exigidos de todo chefe de governo e, mais ainda, de todo chefe de governo cujas aspirações à hegemonia tenham o respaldo de uma ascendência reconhecida no âmbito da sociedade política porque não se esgota nem na autoridade inerente ao cargo ocupado nem mesmo na popularidade traduzida em votos. Tais requisitos, naturalmente, consistem em ter o governante uma visão o quanto possível límpida dos fins a alcançar e dos meios aos quais recorrer, pelos quais, no fim das contas, se traçará o perfil de sua gestão. Desse ângulo, Lula é um dirigente e um líder a meias porque sabe o que não quer antes de saber o que quer, quando uma coisa não se confunde com a outra - e, quando sabe onde quer chegar, não sabe ir até lá.

Isso ficou patente na sua dificuldade em bater o martelo em relação às medidas destinadas a destravar a economia ou, ainda em oficialês, acelerar o crescimento. Já na primeira reunião com a sua equipe ele rejeitou uma proposta depois de outra - além de calar o auxiliar que ousara levantar a questão da reforma da Previdência - e desdenhou do conjunto apresentado como carente de ousadia. Vai sem dizer que ele próprio não iluminou o caminho dos interlocutores com um exemplo claro do que fazer para conciliar austeridade fiscal e inflação baixa com a demarragem do investimento público e o estímulo ao investimento privado. Mas o presidente que sabe o que não quer e apenas tangencia a equação entre fins e meios se dá a ver também no palco político.

O espetáculo em cartaz - enfadonho como poucos para o público pagante - é o da sucessão na presidência da Câmara, pela qual se engalfinham os deputados Aldo Rebelo, do PC do B, atual ocupante do posto, e Arlindo Chinaglia, do PT de Lula. Até onde se pode confiar no noticiário que atribui ao presidente tais ou quais intenções e preferências, o seu candidato seria Rebelo, que o serviu com diligência como ministro político e com lealdade, sobretudo no caso do mensalão - no comando da Câmara. Mas isso não impediu a bancada petista de 83 deputados de respaldar a pretensão de Chinaglia, criando algo próximo a um fato consumado. Pouparemos o leitor da recapitulação das minudências da disputa e da descrição dos trunfos apregoados por ambos os candidatos.

Registre-se apenas que a lógica do governo de coligação que Lula decidiu constituir combina escassamente com uma presidência petista na principal casa legislativa, pois é notório que a esmagadora maioria dos parlamentares dos nove partidos da futura base parlamentar do Planalto, além do PT, aderiram a Lula, mas nem por isso se tornaram menos refratários aos seus companheiros. Já em relação a Aldo Rebelo e aos seus 12 colegas de bancada, os receios do centrão lulista são mínimos ou nulos. Uma eleição na Câmara em 1º de fevereiro com dois candidatos governistas teria tudo, portanto, para implodir a coligação antes mesmo de sair do papel. Sabendo que não quer esse desastre, Lula sabe também que só conseguirá evitá-lo se lograr que um dos competidores desista em favor do outro.

O que ele não parece saber é como tirar um deles da liça sem que o desistente e, no caso de Chinaglia, a bancada petista percam a face. O máximo a que teria chegado, por escassez do poder de persuasão próprio da modalidade de liderança descrita no início deste texto, seria oferecer um Ministério ao perdedor, invertendo a clássica fórmula machadiana das batatas, e tornando a fazer o que fez na montagem do primeiro Gabinete, quando distribuiu prêmios de consolação a companheiros derrotados nas urnas estaduais de 2002. Resta saber se os potenciais consolados da vez não declinarão da oferta pelo rebaixamento nela implícito - nenhuma das Pastas provavelmente disponíveis vale a direção da Câmara, cujo titular, além do mais, é o terceiro hierarca da República.

Nas conversas em separado com Rebelo e Chinaglia, anteontem, Lula teria lembrado - como se necessário fosse - o efeito Severino na eleição de 2005, resultado da existência de dois candidatos petistas ao cargo. Já o aviltamento do Legislativo - depois dos piores quatro anos de sua história - não está em pauta. Se o nó da disputa traz à tona os limites da hegemonia política de Lula, a campanha em si revela algo pior, como notou ontem, no Estado, a colunista Dora Kramer: a indiferença das elites políticas à desmoralização da instituição parlamentar.

Retrocesso acelerado

A palavra mesmice talvez se revele, afinal, imprópria para descrever o que poderá ser o segundo mandato do presidente Lula. A previsão de quatro anos de déjà vu é compreensível, no entanto. Toma como referência o contraste entre o sonante palavrório lulista destes dias, a começar do “acelerar, crescer e incluir” prometidos no discurso inaugural, e, de outro lado, a sensação igualmente habitual de que o comandante do governo não sabe para onde conduzi-lo nem, muito menos, perde o sono por causa da paralisia que o domina desde que a administração foi capturada pela reeleição. A realidade é outra, pode-se dizer. O governo, nisso incluído o esquema petista de poder, já começou a rodar a 100 por hora - com a alavanca de câmbio na posição de marcha à ré, bem entendido. O que se vê acelerar é um retrocesso perto do qual a mesmice seria o menor dos males.

No plano administrativo, a situação deixa saudade dos primeiros tempos do primeiro mandato, o que não é propriamente pouca coisa. Então, o bater de cabeças dos noviços aflitos por reinventar a roda, enquanto trocavam caneladas na disputa por espaços de mando, era audível em todo o Planalto Central, e os erros se empilhavam uns sobre os outros. Mas, por desastrados que fossem os efeitos das ações da nova elite dirigente, havia uma atmosfera de operosidade, um clima de mangas arregaçadas. Agora, o Ministério se tornou literalmente o proverbial deserto de homens e idéias. Seis dos atuais titulares apenas esperam a hora de serem convocados para sair. Outro, o da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, acompanha o escoar dos dias até a saída que, por ele, já teria se consumado. Outro ainda, Luiz Fernando Furlan, da Pasta crucial do Desenvolvimento, faz saber que voltará a cuidar de suas empresas.

Os demais, em regra, se limitam a fazer expressão corporal de ministros, por não saber o que será feito deles quando, finalmente, Lula negociar a sério com os partidos coligados a escalação do time para o segundo tempo - o que só deverá ocorrer em fevereiro, depois da instalação da nova legislatura e do desfecho da pendenga pela presidência da Câmara. (A do Senado ficará com o arquigovernista Renan Calheiros, do PMDB.) A Esplanada parece uma escola em férias, e não é força de expressão. Treze ministros estão para tirar ou já tiraram períodos variáveis de descanso. Fazem o que fará a partir de amanhã, por 10 dias, o chefe para quem há de ter sido muito pouco o lazer pós-eleitoral que se concedeu enquanto estalava o apagão aéreo no País. Lula precisa de fato retemperar as energias consumidas na estafante campanha que, bem-feitas as contas, durou quase quatro anos.

Dirão os cínicos que as suas férias têm a vantagem de proporcionar aos brasileiros 10 dias sem discursos presidenciais. Outros se lembrarão do maldoso ditado italiano Primo far niente, dopo riposare, mas não se pode culpá-los por isso. O mesmo Lula do “acelerar, crescer e incluir” já adiou pela quarta vez o anúncio das medidas de destravamento da economia, cujo único indício de vida futura é a sigla PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) da lavra dos atarefados redatores planaltinos. O retrocesso leva a melhor sobre a mesmice também em matéria de ética. Duas frases em um discurso de 37 minutos e 3.700 palavras, na posse perante o Congresso, foi tudo que o prolixo presidente achou que devia falar a respeito do tema, depois de um primeiro mandato poluído sucessivamente pelo Waldogate, o mensalão, a quebra do sigilo de um caseiro e o dossiê Vedoin.

Não menos eloqüente - e coerente - foi a volta do deputado paulista Ricardo Berzoini à direção do PT, passados três meses da descoberta de que se subordinavam a ele, no comitê central da reeleição, os “aloprados” responsáveis pela tentativa de comprar da mafiosa família patrocinadora dos sanguessugas no Legislativo material que incriminaria o tucano José Serra quando ministro da Saúde. O afastamento de Berzoini da direção da campanha e do partido foi exigido por Lula porque nada deveria se interpor entre ele e mais quatro anos no poder. Agora, alvo alcançado, o que passou passou. Borrón y cuenta nueva, dizem os espanhóis. Ou, na famosa expressão daqueles que o presidente, confundindo fatos e conceitos, diria serem terrostas, “está tudo dominado”. Abandonada a tese da refundação da legenda e da expiação dos delitos praticados em prol de Lula, o petismo lança o seu PAC - Programa de Aceleração do Cinismo.

Meras promessas de ano-novo

Milhões de brasileiros, incluído o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entraram em 2007 formulando uma porção de promessas de ano-novo. Pelo menos um desses brasileiros, o presidente, violou uma promessa já no dia seguinte. Num dos primeiros atos de seu novo governo, ele sancionou com oito vetos, ontem, a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Um dos itens vetados foi a cláusula de contenção de gastos correntes. Não houve surpresa, pois essa cláusula fora desprezada no Orçamento-Geral da União, recém-aprovado pelos congressistas e inflado com uma porção de bondades eleitorais. Nenhum desses fatos impediu o presidente de reiterar, no discurso de posse, o compromisso de responsabilidade fiscal: “Disso não abriremos mão, em hipótese alguma”, disse ele no Congresso. Para este ano essa promessa não vale, e dificilmente valerá para os três seguintes.

Ainda no dia da posse, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou a intenção de bloquear os gastos inflados pelos congressistas, mas com uma ressalva: “Não vamos contingenciar investimento, vamos contingenciar as emendas dos parlamentares.” Também essa promessa não é para ser levada a sério. Primeiro, por ser mal formulada: as emendas apresentadas por senadores e deputados correspondem, na maior parte, a gastos de capital.

Muitos desses investimentos podem não ser prioritários. Talvez sejam indesejáveis. Mas são, tecnicamente, investimentos. Em segundo lugar, o contingenciamento pode ser suspenso, como tem sido, freqüentemente. Quando isso ocorre, as despesas são liberadas segundo as conveniências político-partidárias do governo. Também nesse quesito, o previsível, por enquanto, é a mesmice rejeitada na retórica presidencial. A única hipótese de mudança é para pior, se a troca de guarda no Tesouro - o secretário Carlos Kawall, sintomaticamente, não quis emprestar sua credibilidade técnica ao novo governo - contribuir para um afrouxamento maior da gestão financeira do governo.

A mesmice é ostensiva em todo o discurso de posse. Dois meses depois da reeleição em segundo turno, o presidente inaugurou o segundo mandato sem dispor, ainda, de um efetivo plano de governo. Limitou-se, por isso, a ler uma porção de frases grandiloqüentes e vagas, como se continuasse num palanque de campanha. Apresentou uma solitária novidade, um nome para o pacote econômico prometido há quase dois meses: Programa de Aceleração do Crescimento. Com isso, pôs em circulação uma nova sigla, PAC, por enquanto um rótulo vazio.

Limitou-se, na maior parte dos primeiros pronunciamentos - no Congresso e depois no parlatório do Palácio do Planalto -, a repetir uma lista de intenções: destravar a economia, ampliar o investimento público, desonerar o investimento privado, aperfeiçoar o marco jurídico e assim por diante. Não disse como o governo cumprirá ou tentará cumprir essas promessas. Nem poderia dizer, pois não sabe, de fato, como poderá remanejar as verbas do Orçamento nem como conseguirá reduzir a excessiva carga tributária sobre a produção. Falou em realinhar prioridades, mas não fez mais do que repetir a conhecida pauta de reivindicações do setor privado, sem explicar como serão desatados os nós mais importantes.

Ao fazer o retrospecto do primeiro mandato, repetiu as costumeiras fantasias. Falou em “robustez fiscal”, como se o quadro da Previdência não houvesse piorado e o superávit primário dos últimos anos não houvesse resultado principalmente do aumento da carga tributária. Descreveu a política externa como “motivo de orgulho” por seus “excelentes resultados”. Ignorou, como sempre, o rosário de fracassos dessa política - na Organização Mundial do Comércio, no Banco Interamericano de Desenvolvimento, na ONU e até na América do Sul, onde o Brasil se tornou caudatário do populismo de Hugo Chávez, cedeu a todas as pressões de Evo Morales e aceitou sem resistência a conversão do Mercosul num bloco em frangalhos e sem nenhuma funcionalidade para a inserção global dos integrantes originais.

“Estamos mais próximos da África - um dos berços da civilização brasileira”, disse Lula. Mas os países mais dinâmicos da África vêm trabalhando para ganhar, até à custa do Brasil, maior acesso aos maiores e mais dinâmicos mercados, a começar pelos Estados Unidos e pela Europa. O Brasil de Lula tem seguido o caminho oposto.

O Discurso

Aqui está uma boa oportunidade de ler o discurso de posse do candidato à presidência em 2010, José Serra. É uma excelente fonte de informações sobre o jeito de administrar do novo governador paulista, riquíssimo em referências históricas brasileiras e bússola da direção em que fará oposição ao presidente que aí está.
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“Quiseram as circunstâncias da vida e da política que nos últimos cinco anos eu disputasse três eleições majoritárias de grande alcance: a Presidência, a Prefeitura de São Paulo e o governo do Estado de São Paulo.

Na eleição para governador, vencemos em todas as regiões do Estado e em todas as classes sociais, por maioria ampla, no primeiro turno. Quando isto aconteceu, lembrei-me do poeta Carlos Drummond de Andrade: “Perder é uma forma de aprender. E ganhar, uma forma de esquecer o que se aprendeu.” Uma reflexão que dispensa provas, mas também pode comportar exceções. Eu procurarei ser uma delas.

Em primeiro lugar, porque já experimentei bastantes subidas e descidas na vida, perfeitas curvas senoidais, para compreender o significado e o acerto da máxima de Kipling, quando nos assegurava que, na vida, ninguém tem o sucesso que acredita nem fracassa tanto quanto imagina. Além disso, porque sei muito bem que eleição confere legitimidade jurídica ao governante, mas a confiança do povo, a única capaz de conferir amplitude e qualidade a essa legitimidade, só se mantém se o eleito for capaz de corresponder às expectativas criadas. Este é um imenso desafio, que começa a ser enfrentado a partir de hoje.

A posse de um novo governante é um verdadeiro rito de passagem, solene. Espera-se, de quem vai, um balanço. Espera-se, de quem chega, uma projeção, uma sinalização para o futuro.

Para tratar do futuro, neste momento que o País e nosso Estado vivem, mais do que repetir os compromissos programáticos e o elenco de ações administrativas que vamos adotar nos próximos quatro anos, reiterados durante e após a campanha, vou falar dos valores e das crenças mais importantes que nos movem, a mim e à minha equipe. Dos compromissos permanentes com nosso Estado e com nosso País. Das grandes preocupações, até das angústias, e de minhas esperanças.

Mencionei a equipe de governo. Aprendi com o governador Franco Montoro a montar o melhor time possível, sem fazer loteamentos político-fisiológicos. Não por ser contra os políticos, pelo contrário, os secretários têm vocação política, mas têm aptidão técnica. E trabalharão voltados para o interesse público e não para as conveniências deste ou aquele partido, grupo ou indivíduo.

Outra coisa que aprendi: nunca concorrer com os subordinados, impedindo que se soltem e adquiram luz própria; nunca estimular ou admitir disputas entre eles, na linha do dividir para reinar. Pelo contrário, a boa vida pública é um jogo de soma positiva. Os que me conhecem sabem que sempre formei equipes boas e permiti, satisfeito, que cada integrante tivesse suas qualidades e méritos amplamente reconhecidos. Sabem, também, que, apesar da minha fama de centralizador, dou grande liberdade de ação aos que trabalham comigo, dentro de orientações estabelecidas, sempre procurando ampliar os limites conhecidos do possível. Sempre negando que dificuldades signifiquem impossibilidades. Onde talvez eu exagere, mas não estou ainda plenamente convencido de que seja um defeito, é no acompanhamento e na cobrança, notavelmente facilitados pelos e-mails da madrugada…

Aliás, sem ampliar os limites conhecidos do possível jamais teríamos conseguido recuperar a situação financeira da Prefeitura de São Paulo em apenas um ano, nem Fernando Henrique Cardoso teria vencido a inflação com o Plano Real. Não preciso me alongar aqui sobre como tem sido nociva, no Brasil, a crença no mote tradicional que assegura ser a política a arte do possível. Não, a política deve ser a arte de alargar os horizontes e limites do possível.

Outro mote fatalista e acomodador, até reacionário, é aquele que considera a desonestidade inerente à vida pública, ao garantir que o poder necessariamente corrompe os homens. Não é assim: são alguns homens que corrompem o poder; outros, pelo contrário, combatem a corrupção no poder. Estes são os que exercem o poder como servidores do povo, ao invés de se servirem do governo para seus fins pessoais ou partidários.

O que pretendo enfatizar aqui é a necessidade de uma prática transformadora na política brasileira, que vá além, muito além, de discursos. Não basta que se reconheça a necessidade do bem. É preciso praticá-lo. Não basta anunciar futuro glorioso para o povo brasileiro. É preciso construí-lo. Não basta que manifestemos reiteradamente nossos votos de uma vida melhor. É preciso mobilizar instrumentos e técnica para que ela seja realidade.

Em termos de poder público, aquela prática exige, antes de mais nada, que o Estado seja controlado por ele próprio, que o aparato governamental funcione como um todo coerente, do ponto de vista moral, da eficiência e dos objetivos perseguidos, que aja em função do interesse público.

Nada mais distante disso do que a banalização do mal na política brasileira, das vorazes tentativas neopatrimonialistas de privatização do Estado, que tanto têm prosperado em nosso País.

Em segundo lugar, é preciso que o Estado seja cada vez mais controlado pela sociedade, que esta possa se defender de seus abusos e nele possa influir alterando os rumos das ações públicas, na perspectiva da contínua democratização. Em segundo lugar, é preciso que o Estado seja cada vez mais controlado pela sociedade, que esta possa se defender de seus abusos e nele possa influir alterando os rumos das ações públicas, na perspectiva da contínua democratização. E os governos, eu penso, têm de estar empenhados em contar uma parte da história do futuro, antecipando-se ao erro, cercando suas possibilidades, agindo com planejamento, abrindo o caminho e sinalizando a direção a seguir.

Defendo o ativismo governamental. O poderoso Estado nacional-desenvolvimentista do passado - produtor, regulador de toda a atividade econômica, patrono de todos os benefícios sociais - não tem mais lugar no presente, mas isto não significa que deva ser substituído pelo Estado da pasmaceira, avesso à produção, estagnacionista. Até porque aquele Estado ficou no passado, mas a questão nacional e a questão do desenvolvimento continuam no presente.

Tenhamos claro que o livre mercado globalizado não oferece as respostas para todos os nossos problemas. Basta lembrar que o conceito de cidadania envolve três dimensões: a dos direitos civis - igualdade perante a lei, possibilidade de ir e vir, habeas corpus -, dos direitos políticos - votar e ser votado -, e dos direitos sociais. Mas o cidadão global inexiste: no mundo de hoje o direito de ir e vir entre países está cerceado - só podem ir e vir de um país a outro os capitais e em menor medida as mercadorias, mas, gente, de nenhum forma. O exercício dos direitos políticos está circunscrito às fronteiras nacionais. E se os direitos sociais mal permanecem de pé dentro dessas fronteiras, o que dizer da utopia de fazê-los valer em escala planetária? Ou seja, o objetivo de materializar as condições de uma plena cidadania em cada país exige políticas nacionais, exige ativismo governamental na procura do desenvolvimento e da maior igualdade social.

A política da pasmaceira em relação à nossa economia tem consagrado a mais perversa tendência depois de um século de prosperidade: a semiestagnação, que já se prolonga por 25 anos. Antes de ontem, ela poderia ser explicada pela superinflação devastadora; ontem, pela terapia antiinflacionária e conjunturas externas turbulentas; hoje, quando o Brasil é praticamente o último da América Latina e dos emergentes, e o céu da economia internacional é de brigadeiro de seis estrelas, os resultados ruins não são colhidos da árvore da vida, da fatalidade, mas da fragilidade da política macroeconômica, hostil à produção e aos investimentos. Não tenham dúvida: a fatalidade, no que diz respeito aos povos, quase sempre conta a história de um erro. Quando não de uma covardia.

A história dos povos na democracia mostra que o crescimento amplo e rápido da produção e do emprego não traz somente benefícios materiais. Fortalece, também, as instituições e os valores democráticos, favorece a estabilidade política, estimula a tolerância, amplia as oportunidades. Robustece o caráter moral da sociedade, ao melhorar a atitude das pessoas em relação a si mesmas. Cria laços sociais mais sólidos, melhora a qualidade da democracia. Estamos perdendo ou deixando de ganhar tudo isso, ao contrário do que aconteceu no Chile, em Portugal, na Espanha, no Sudeste Asiático.

Mas, entre a estagnação e a estabilidade, o País parece ter preferido as duas. Em nome desta produz-se aquela; em nome da virtude, acabamos escolhendo o vício. É vital para o Brasil, para São Paulo, para todos os Estados e regiões do País, a ruptura desse ciclo, que é também intelectual, de ambições modestas e fracassos bem sucedidos em relação ao crescimento econômico. Um país que não cresce acaba não distribuindo renda mas equalizando a pobreza. A economia da pobreza não pode ter como base a pobreza da economia.

A falta de desenvolvimento pune os mais necessitados; torna-os clientela cativa do assistencialismo. A assistência social é justa e necessária, mas a emancipação verdadeira, sair da pobreza, exige empregos e renda para as famílias, o que só pode acontecer com crescimento econômico. E não há escassez de capital para promover esse crescimento.

Ao contrário, o vertiginoso aumento das remessas de lucros das empresas estrangeiras aqui instaladas e dos investimentos de empresas nacionais no exterior, recursos que se vão a fim de criar empregos lá fora, mostra que não falta poupança ao Brasil para aumentar sua capacidade produtiva e seus empregos - o que falta são oportunidades lucrativas de investimento, espantadas pela pior combinação de juros e câmbio do mundo, em meio a uma carga tributária sufocante.

Serei um militante incansável da Lei de Responsabilidade Fiscal, concebida e aprovada durante o governo do presidente Fernando Henrique, até porque fui o autor do dispositivo constitucional que a possibilitou. Porque ela foi feita pelo governo de que eu fiz parte, porque seu espírito presidiu minha atuação na vida pública e porque governo com déficit galopante é governo fraco. Mas, também, vou defender com todas as forças a Lei (não escrita) da Responsabilidade Social - a Saúde, a Educação, a Cultura, a Segurança.

Por que insisto tanto na questão do crescimento se as políticas macroeconômicas não são da responsabilidade do governo do Estado? Porque a estagnação nos tira postos de trabalho, arrecadação, escolas, saúde, segurança. Porque como governador tenho o dever de vocalizar os anseios de São Paulo. Dessa gente trabalhadora e guerreira, sem preconceitos, que acredita no esforço, na honestidade, no mérito, na seriedade, na franqueza. Paulistas nascidos em todos os Estados do Brasil.

Sou filho de um bairro operário onde a solidariedade era um modo de vida e não apenas uma palavra. Sou filho de uma época de incertezas. Nasci quando a Segunda Guerra Mundial estava em curso, na sua primeira metade. Mas me tornei adolescente num tempo em que o Brasil projetava seu futuro, acreditava nele, transformava-o a cada dia em presente de progresso. Uma época em que fazer era mais importante do que ter. Em que produzir nas cidades não era, como hoje, um gesto de quase insanidade econômica, mas um comportamento respeitável. Uma época em que o comércio, a agricultura e a indústria, crescendo e gerando empregos, eram mais importantes que as cirandas financeiras e as especulações dos rentistas que desfrutam as monumentais margens de arbitragem ensejadas pelos juros siderais.

Não sou saudosista porque não sou conformista. Mas não posso deixar de dizer que sou fruto das oportunidades que um Brasil dinâmico dava aos filhos dos mais pobres. Muito diferente do que ocorre hoje. Também sou filho de um Brasil aguerrido, das lutas estudantis e das lutas populares. Contra a vontade tornei-me filho do exílio e de suas dificuldades, embora tenha sido em seu curso que formei minha família, completei minha formação acadêmica, adquiri uma visão do mundo e minha crença teimosa de que é possível fazer muito mais e melhor pelo nosso País.

É possível e necessário. E esta não é uma luta para amanhã, mas para agora. “Se não agora, quando?” - indagava o grande rabino Hillel, da época de Cristo, sobre a urgência do bem. Se não agora, quando lutar pela restauração dos valores e do significado das palavras na vida pública brasileira?

Se não agora, quando lutar para tirar o Brasil da areia movediça do subdesenvolvimento, que ameaça levar nosso País da condição de país emergente para país imergente?

Desde a minha eleição em primeiro turno, a pergunta que mais me fizeram foi sobre as relações que manteria com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, caso ele fosse reeleito. Como governador de São Paulo procurarei ter com ele as melhores relações institucionais possíveis. Desejo-lhe boa sorte, mais uma vez. A boa sorte do presidente da República significa a boa sorte do nosso povo.

Como é evidente, à oposição cabe se opor. Não a tudo e a todos, mas ao que, a seu juízo, atente contra o espírito das leis, contra os fundamentos do Estado e contra o interesse público. Isso vale para o Brasil. Isso vale para São Paulo. Esta será nossa melhor contribuição à governabilidade do País.

Não fomos, não somos nem seremos adeptos do quanto pior melhor. Seremos oposição no plano federal justamente porque não somos iguais. Diante de cada projeto de lei ou de emenda constitucional, saberemos separar o que beneficia o País do que o atrasa; os interesses do governo dos interesses do Estado; as conveniências de um partido dos anseios da nação. Em suma: não esperem de mim o adesismo que não se respeita nem a agressão que não oferece respeito.

Temos presente que a governabilidade é tarefa de quem obteve nas urnas o mandato para governar. Não me passa pela cabeça, por exemplo, transferir para a oposição o dever de assegurar a governabilidade do Estado que me elegeu. Quem é altivo na derrota não se sujeita. Quem é humilde na vitória não exige sujeição. É assim que se faz uma República.

Por intermédio de seu governador, este Estado estende a mão da legalidade e do interesse republicano a quantos queiram colaborar com ele, a quantos queiram colaborar com o Brasil.

Vou governar São Paulo voltado para o Brasil. Não encontrarão eco neste governador os que quiserem acender rivalidades fora de lugar e de hora, que militam contra os interesses do povo brasileiro.

São Paulo acolhe, não discrimina. São Paulo é o maior Estado nordestino depois do Nordeste; São Paulo tem o maior número de sulistas depois do Sul; de nortistas depois do Norte; de mineiros depois de Minas; de brasileiros do vasto Brasil central depois do Centro-Oeste. A verdadeira identidade de São Paulo é a fraternidade brasileira. E assim continuará a ser no meu governo.

Quero dizer aos paulistas e a todos os brasileiros que podem contar comigo para que tenhamos um País ordeiro, pautado pela estrita legalidade e pela cooperação entre os entes federativos. Mas reafirmo: nem com a humildade que se confunda com sujeição, nem com a altivez que se misture com arrogância. Esta é a cara de São Paulo.

Creio no ensinamento dos filósofos, de santos e de profetas de todas as religiões de que o único jeito de assegurar a si mesmo a felicidade é aprender a dar felicidade aos outros. Meu ideal de solidariedade, de agregar valores, minha melhor forma de servir e de ser feliz é me dedicar aos outros, diminuir seus sofrimentos e lutar por sua felicidade. Por certo não sou tão bom nisso quanto o foram pessoas com as quais tive o privilégio de conviver: Dom Paulo Evaristo, Franco Montoro, madre Cristina - entre tantas que poderia citar.

Mas, para mim, é a única razão pela qual me dediquei à vida pública e não à vida privada. É a minha vocação. Servir à minha cidade, ao meu Estado, ao meu País, ao nosso povo."