Saturday, December 23, 2006

A herança populista

Dora Kramer, 23/12/2006

O presidente Luiz Inácio da Silva diz que não, seus ministros dizem que sim, mas se é verdade que o governo adiou o anúncio do pacote do crescimento para rever as contas, por causa da decisão de Luiz Inácio da Silva de dar um aumento maior que o previsto para o salário mínimo, significa que o presidente decidiu sem examinar previamente as contas.

Quer dizer, um gesto de generosidade para com a própria popularidade, indicativo de que, sem o freio de mão seguro por Antonio Palocci e companhia, atos de governo no segundo mandato obedecerão à lógica emocionalmente simplificada do “vamos que vamos”, em detrimento da racionalidade.
É claro que, como diz o jogador manhoso, as conseqüências vêm depois.

E como não se sabe se o “depois” alcançará Lula ainda na Presidência, os postulantes ao cargo em 2010 são, desde já, sérios candidatos a pagar o pato. Político, inclusive.
Mestre no manejo dos símbolos e dos fatos, Lula quando assumiu só falou na herança maldita. Da bendita, legada por seus antecessores e que permitiu a ele trafegar bem na economia, valer-se dos efeitos de longo prazo nas mudanças estruturais realizadas desde a redemocratização e terminar reeleito avaliado como o melhor presidente de todos os tempos, desta Lula apropriou-se como realização sua.

Os especialistas, e os meros observadores também, alertam todos para o risco de a maneira impensada como o presidente começa a fazer as coisas, agora que se sente o dono absoluto de um jogo que considera ganho, provocar sérios retrocessos e transformar ganhos acumulados ao longo de anos em perdas paulatinas de difícil recuperação.

Se as crises contratadas nos setores de energia, agricultura, contas públicas e outros mais não estourarem dentro do período do segundo mandato, em 2010, Lula poderá entregar o governo ao sucessor jactando-se do sucesso, fazendo um balanço de “casa arrumada”.

As conseqüências, porém, não tardarão. Ao próximo presidente não será fácil assumir com o discurso repetitivo da herança maldita. Naquela altura, o argumento estará totalmente gasto. Quando os problemas começarem a aparecer de forma eloqüente - na agricultura, por exemplo, com aumento nos preços dos alimentos e, conseqüentemente, da inflação - parecerá à população de modo geral que ele os criou.

Recebeu de Lula um país fantástico e destruiu sua obra. Isso não tem nada a ver com os fatos reais, pois os números e as análises detalhadas poderão provar o contrário.
Mas, como sabem os mais atentos e menos afoitos, a avaliação popular em pesquisas, o sentimento geral de conforto ou desconforto, guarda distância abissal da razão e da objetividade.

E, assim, Lula poderá finalizar seu segundo mandato com o lance mais espetacular de sua competente gestão publicitária: ser julgado pelo que não fez de bom e absolvido pelo que fez de mau.

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