Wednesday, December 27, 2006

Lula se distancia da equipe econômica

Salve-se quem puder
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Cristiano Romero, Valor Econômico, 27/12/2006

A impressão que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem deixado em seus interlocutores é a de que não vai tolerar, no segundo mandato, a deterioração das contas públicas. Quando toma decisões, no entanto, é exatamente o que faz, comprometendo a sua própria aspiração, qual seja: a de acelerar o crescimento da economia nos próximos anos.

Conversar com Lula hoje em dia não o influencia tanto. Nas últimas semanas, o presidente teve longas conversas com o ex-ministro Delfim Netto, o empresário Jorge Gerdau, o consultor Luciano Coutinho. Com diferenças aqui e acolá, todos defenderam maior rigor fiscal e todos saíram com a impressão de que Lula, no fundo, é um governante conservador do ponto de vista fiscal. Em geral, seus convidados disseram a ele que a agenda do crescimento depende do controle dos gastos correntes, do contrário, o governo não terá como baixar a carga tributária e, assim, estimular o investimento privado.


Na hora de agir, Lula tem dado pouca ou nenhuma importância aos conselhos que ouve. Na verdade, o presidente não está dando ouvidos nem mesmo ao ministro da Fazenda, Guido Mantega. O caso do aumento do salário mínimo para R$ 380, acima do que recomendou a equipe econômica, deixou isso claro e explicitou uma nova forma de agir.


Mantega defendeu, em várias ocasiões, que o mínimo deveria subir de R$ 350 para R$ 367, um reajuste nominal de 4,8%, superior, portanto, à inflação de 3% do período. O aumento corresponderia à aplicação da fórmula estabelecida por governo e o Congresso na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) - inflação mais variação do PIB per capita. Seu impacto negativo líquido (já descontado o aumento da arrecadação das contribuições) nas contas da previdência social seriam, segundo cálculos da consultoria econômica da Câmara dos Deputados, de R$ 2,890 bilhões. Um efeito considerável sobre um déficit que não pára de crescer - neste ano, deve chegar a R$ 42 bilhões.


No Congresso, a equipe econômica percebeu que, politicamente, seria difícil limitar a elevação do mínimo para R$ 367. Trabalhou, então, para segurar o valor em R$ 375 (impacto líquido negativo no INSS de R$ 4,250 bilhões). Numa reunião com as centrais sindicais, sem a presença dos ministros da área econômica, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, fechou o valor em R$ 380 (impacto na previdência de R$ 5,1 bilhões).


Mantega chegou a desmentir que R$ 380 fosse o valor definido pelo governo, mas, depois, soube-se que Marinho negociou com as centrais tendo o apoio irrestrito do presidente. A imagem da derrota de Mantega é forte: enquanto ele dizia, antes de audiência no Senado, na quarta-feira, que o assunto ainda não estava decidido, Lula autorizava Marinho a anunciar o novo salário mínimo.


O presidente mostrou, no episódio, que, para ele, acabou a era dos ministros da Fazenda fortes. Ou então que acabou o tempo em que presidentes da República são reféns de ministros da Fazenda. É essa a mensagem. Sem nenhum constrangimento, Lula atropelou, na forma e no conteúdo, o comandante da economia. Em declarações públicas, muito à vontade, disse que quem manda é ele.



Somam-se partidos na base aliada; falta agenda


O sinal é negativo. Num país de instituições frágeis, o Ministério da Fazenda é uma estrutura forte, respeitada e, geralmente, até admirada pela população. Seus titulares são potencialmente candidatos à presidência. Por isso, como dizia Mário Henrique Simonsen, não existe ministro da Fazenda forte ou fraco; existe ministro da Fazenda. Para a sociedade, é importante que o ministro da Fazenda seja ouvido pelo presidente. Lula parece decidido a mudar isso, a torná-lo numa voz tão importante quanto, por exemplo, a do ministro do Trabalho.


Quando elevou o salário mínimo para R$ 350, em decisão tomada no fim de 2005, o presidente deu ao piso salarial brasileiro o maior poder de compra em 40 anos. Isso, claro, só foi possível porque a inflação, em quatro anos, caiu de 12,5% para 3,1% (estimativa do Banco Central para 2006). Essa combinação de aumento real do salário mínimo e inflação baixa é reputada, pelo próprio presidente, como a força-motriz de sua reeleição.


É justamente isso que torna incompreensível a decisão recente de dar mais um aumento robusto ao salário mínimo. Mesmo depois de amargar quase um ano e meio de aguda crise política, Lula ganhou a eleição de forma consagradora. Acumulou capital político, inclusive, para tomar medidas impopulares. Elevar o salário mínimo, com repercussões negativas sobre o déficit da previdência social, a carga tributária e, em última instância, sobre o pacote que pretende adotar para estimular o crescimento da economia, contradiz o momento político vivido pelo presidente.


Sem ministros fortes ao seu lado e sem assessores que lhe apontem os riscos de determinadas opções, Lula tem atuado de maneira errática. Reeleito há dois meses, não tem ministério nem projeto para o segundo mandato. Assim mesmo, está às voltas com a formação de uma maioria esmagadora no parlamento, em que se somam partidos aliados, mas falta agenda legislativa ousada.


O presidente já descartou, por exemplo, a proposição de uma nova reforma da previdência e a regulamentação da emenda 29, que trata dos gastos com a Saúde. Medidas impopulares ele só propõe se o Congresso e os setores organizados da sociedade concordarem em dividir o ônus político. "Governo de coalizão é para aprovar reformas. Para aumentar o salário mínimo, não precisa", ironiza um ex-ministro de Lula, preocupado com a falta de rumo do governo.


Governistas alegam que a agenda existente no Congresso já é "pesada". Sabe-se, porém, que os parlamentares sempre aprovam a prorrogação da CPMF e da DRU. A diferença está no preço político cobrado. Governos fracos pagam caro; governos fortes, não. Do jeito que vai, o que Lula está montando é uma frente anti-impeachment e não uma base política consistente para aprovar no parlamento uma agenda pró-crescimento.

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