Tuesday, January 30, 2007

Chávez e nós

Por J. R. Guzzo

A Venezuela, segundo nos informou o presidente Hugo Chávez ao assumir seu terceiro mandato consecutivo, é desde o começo de janeiro um país socialista. Não foi preciso, para isso, fazer uma revolução, botar tropa na rua ou tomar nenhum palácio -- bastou a declaração presidencial, o que faz da Venezuela, possivelmente, o único país do mundo onde o socialismo foi implantado com um discurso. A primeira coisa que se pode dizer a respeito é que o coronel Chávez, seu governo e seu socialismo são um problema exclusivo da Venezuela e dos venezuelanos. Não cabe ao Brasil achar ruim nem bom, mesmo porque não iria fazer nenhuma diferença. A única atitude a tomar é aceitar a vida como ela é e, se possível, manter no mesmo ritmo as exportações brasileiras para lá; elas aumentaram em quase sete vezes nos últimos quatro anos e fecharam 2006 em 4 bilhões de dólares. A segunda coisa é ver com clareza o que significa, na prática, o "socialismo do século 21" anunciado por Chávez. Não parece grande coisa. Há muito discurso com 3 horas de duração, muito "patria o muerte!" e muita cara feia contra o imperialismo, mas por aí se fica.

Regimes socialistas, pelo manual de regras, são criados para substituir regimes capitalistas. Mas a Venezuela que existia antes de Chávez assumir a Presidência não era capitalista; era apenas subdesenvolvida. Não tinha capital, indústria ou investimento privado -- não em termos de relevância econômica real. Não investia em infra-estrutura. Não dispunha de produtos vendáveis no mercado mundial. Vivia da extração do petróleo -- e sempre transformou em consumo quase toda a riqueza obtida com ele, em vez de investir no desenvolvimento de alguma atividade produtiva. O setor privado da economia baseava-se na formação de patrimônio pessoal para os empresários, que compravam apartamentos em Miami, tinham aversão ao risco ou à livre competição e buscavam favores junto aos governos -- por sinal, alguns dos mais ineptos que já passaram pelo continente. Assim era e assim continuou com Chávez nestes últimos nove anos, com a diferença de que a cotação do petróleo passou de 11 para 50 dólares o barril, e suas benesses passaram a ser distribuídas para a nova classe de aliados do presidente, ou mesmo para a parte da velha classe que teve a esperteza de juntar-se a ele. Hoje, como ontem, os que podem continuam torrando os dólares do petróleo com a importação de carrões irados, televisores de plasma e uísque 12 anos.

É verdade que o governo estatizou ainda mais uma economia já estatizada pela predominância absoluta do petróleo e promete estatizar o que encontrar de estatizável. É verdade, também, que o comandante passou a utilizar parte das receitas do petróleo em doações para governos que pretende influenciar, ou em programas oficiais de esmola para a parte da população que continua sem oportunidades de melhorar de vida. Mas o subdesenvolvimento permanece o mesmo -- e tem tudo para manter-se exatamente desse jeito. O que mudou na Venezuela, isso sim, foi a ditadura em câmera lenta que o comandante Chávez vem construindo desde que chegou ao governo. Tem planos para tornar-se presidente vitalício, faz o que pode para acabar com a liberdade de imprensa e transformou o Parlamento e o Judiciário em repartições subordinadas ao Poder Executivo. Quer substituir os governos regionais por "conselhos populares", criar um sistema de partido único e governar por decreto. Não será surpresa se baixar, um dia desses, alguma lei de segurança nacional e começar a meter gente na cadeia. O problema, ainda aí, poderia continuar sendo só da Venezuela. Mas será mesmo assim? O pensador-chefe do Palácio do Planalto, o assessor especial Marco Aurélio Garcia, acha que essas coisas todas são um "aprofundamento da democracia". Tomara que seja um ponto de vista, apenas -- e não um projeto de governo para o Brasil.

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